Para piorar, em ato falho — ou não —, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, admitiu durante a coletiva para detalhar o pacote que novas medidas podem ser necessárias, além das anunciadas, para cortar os gastos.
Ele ainda disse que algumas das propostas pretendidas pela equipe econômica inicialmente sofreriam resistências do Congresso. No cardápio apresentado a Lula havia, por exemplo, a ideia de desvincular o reajuste do salário mínimo do valor dos benefícios previdenciários, trabalhistas e assistenciais. Na prática, ele foi mantido, agora com um limite de crescimento real de 2,5%.
"São passos muito importantes esses que estão sendo dados. E, se precisarem outros, e certamente vai haver necessidade, nós vamos estar aqui para voltar à mesa do presidente [Lula] com as nossas ideias e tentando sintonizar as nossas ações em torno desse projeto", afirmou o ministro.
Chamou a atenção o uso da expressão "certamente vai haver necessidade", apontando que o governo contratou mais uma rodada de ajustes para o futuro próximo — o que tende a gerar ainda mais elucubrações entre agentes econômicos e desgastar a confiança na gestão petista.
Desconfiança do mercado
A análise predominante no mercado — a exceção é a trava para o crescimento real do salário mínimo — é de que parte significativa das medidas parece uma nova versão do pente-fino nos benefícios sociais, que cria novas regras para a concessão ou atualização dos benefícios e depende de votação do Legislativo. Com isso, para economistas e investidores, as estimativas de economia têm risco maior de não se confirmarem.
Soma-se a isso o fato de o pacote de medidas depender de tramitação no Congresso e não haver clareza sobre a disposição dos legisladores de aprovar as propostas rapidamente.
Com isso, a economia estimada ainda pode ser reduzida a depender do prazo de aprovação (as medidas, afinal, entram em vigor em 2025 e 2026) e de eventual desidratação por deputados e senadores.
Outro ponto de preocupação do mercado é sobre o real impacto da isenção de IR para pessoas com renda mensal de até R$ 5.000. O mercado estima um custo que pode chegar a R$ 70 bilhões, enquanto Haddad projetou uma renúncia de R$ 35 bilhões. Além das dúvidas técnicas sobre estimativas, a impressão entre analistas é de se tratar de uma medida eleitoreira para aumentar a popularidade de Lula na classe média baixa — e garantir votos em eventual campanha de reeleição em 2026.
Insatisfação em Brasília
Entre os técnicos da equipe econômica ficou a insatisfação com o fato de o governo ter contaminado a discussão do pacote de corte de gastos com a concessão de isenção de IR compensada, mais uma vez, pelo aumento de impostos.
A consequência natural das incertezas se materializou no preço do dólar, que ultrapassou os R$ 6, maior cotação nominal da história, e na queda do Ibovespa.
Para os auxiliares de Haddad, a discussão deveria ser restrita ao pacote de corte de gastos e um eventual anúncio de aumento da faixa de isenção de IR deveria ficar para o início de 2025.
Nos corredores do Palácio do Planalto, a insatisfação entre servidores de carreira do governo e comissionados foi com o fato de Haddad ter classificado como super-ricos pessoas com renda mensal superior a R$ 50 mil e propor uma taxação para esse grupo em vez de centrar esforços em reduzir benefícios tributários. Além disso, apontam que o alvo deveriam ser contribuintes milionários e bilionários.
E o Lula?
Outro questionamento entre técnicos da equipe econômica e da ala política se deu pelo fato de Haddad ter feito um pronunciamento à nação em TV aberta, e não Lula.
"Se as medidas são boas, por que o ministro da Fazenda fez o anúncio? Para além disso, Lula se empenhará na aprovação desse pacote", questionou um auxiliar de Lula.
Os efeitos dos cortes de gastos e da isenção do IR na popularidade de Lula também são pontos de dúvida entre técnicos da ala política. Segundo auxiliares do presidente, a aprovação em níveis baixos são uma constante preocupação do petista e dos ministros palacianos.
Em outra frente de debate, o avanço do pacote de corte de gastos com medidas críveis para reduzir a trajetória de crescimento da dívida pública é essencial para acomodar expectativas de inflação. Isso é determinante para contribuir para, após a conclusão do ciclo de alta, o processo de redução dos juros.
Com dólar nas alturas, surpresas inflacionárias no curto prazo e expectativas desancoradas, Lula pode se deparar com uma tempestade perfeita em 2026, ano de eleição.